sábado, 6 de novembro de 2010

O búzio

Quando eu era pequena,passava ás vezes pela praia um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzio.
O Búzio era como um munumento manuelino:tudo nele lembrava coisas maritimas.A sua barba branca ondulada era igual a uma onda de espuma.As grossas veias azuis das suas pernas eram iguais a cabos de navio. O seu corpo parecia um mastro e o seu andar era baloiçado como andar dum marenheiro ou dum barco. Os seus olhos, como o proprio ar, ora eram azuis, ora eram cizxentos,ora verdes, e as vezes mesmo os vi roxos. E tazia sempre na mão direita duas conchas.
Eram daquelas conchas brancas e grossas com circulos acastanhados, semi-redondas e semitriangulares, que têm no vertice da parte triangular um buraco. O Búzio passava um fio atraves dos buracos e atava assim as duas conchas uma a outra, de maneira a formar com elas umas castanholas. E era com essas castanholas que ele marcava o ritmaodos seus longos discursos cadenciados, solitarios e mesteriosos como poemas.
O Búzio aparecia ao longe. Via-se crescer dos confins dos areais e das estradas. Primeiro julgava-se que fosse uma arvore ou um penedo distante. Mas quando se aproximava via-se que era um buzio.
Na mão esqueda trazia um grande pau que lhe servia de bordão e era seu apoio nas longas caminhadas e sua defesa contra os cães raivosos das quintas. A este pau estava atado um saco de pano, dentro do qual ele guardava os bucados secos de pão que lhe davam e os tostões. O saco era de chita temendadae tão desbotada pelo sol que quase se tornara branca.
O buzio chegava de dia, rodeado de luz e de vento e, dois passos á sua frente, vinha o seu cão, que era velho, esbranquiçado e sujo, com pelo grosso, encaracoladoe o ficinho preto.
E pelas ruas fora vinha o buzio com o sol na cara, e as sombras trémulas das folhas dos plátanos nas mãos